Uma obra de arte digital ganhou um concurso com apoio de inteligência artificial – como a criatividade será afetada por isso?
Redator: Heitor Augusto Colli Trebien
Muito está sendo discutido sobre como a inteligência artificial afeta o ser humano. Uma das discussões é a de que as pessoas irão perder sua inteligência natural enquanto a artificial se desenvolve.
O mesmo vale para a criatividade. A lógica é – se a inteligência artificial me entrega tudo de mão beijada, não vou precisar me esforçar para criar algo inovador e diferenciado.
Muitas áreas poderão ser prejudicadas se seguirem esse pensamento. Por exemplo, como será que a arte irá lidar com isso?
Um artista, com recursos de inteligência artificial, ganhou uma competição de arte
Metz (2022) e Gault (2022) comentam que, em agosto de 2022, no Concurso de Belas Artes da Feira do Estado do Colorado (Colorado State Fair Fine Arts Competition), o artista Jason Michael Allen ganhou a competição em primeiro lugar.
O autor usou como principal ferramenta o Midjourney, programa que gera imagens a partir de prompts, e além dele usou também o Photoshop (editor de imagens) e o aprimorou a qualidade da imagem com o Gigapixel AI (outro editor de imagens).
O artista precisou de mais de 80h para poder finalizar o quadro, isto é, pelo menos 4 dias para conseguir produzi-lo. A categoria que ele concorreu era de ‘artes digitais/fotografia manipulada digitalmente’ (digital arts/digitally-manipulated photography).
A imagem que recebeu o prêmio de 300 dólares foi a ilustração logo abaixo:
Jason Allen é designer de jogos e presidente da Incarnate Games, empresa especializada em jogos de mesa e de tabuleiro, com sede em Colorado. Como podemos observar, na imagem há uma integração do futurismo com uma estética barroca, justamente por ser uma ópera espacial. Essa imagem lembra a estética de Star Wars, por conciliar futurismo com arte clássica, por exemplo.
Entretanto, ao compartilhar sua ilustração nas redes sociais, dividiu opiniões. Uma boa parte afirmou que esse tipo de situação ilustrava o fim da arte e da criatividade. Outros consideraram uma forma de trapaça.
As análises negativas, em certo nível, apresentam uma visão excessivamente pessimista e, em alguns casos, talvez cheguem a ser injustas.
Uma discussão muito semelhante aconteceu quando desenvolveram a máquina fotográfica. Afirmou-se que não seria mais necessária a arte com a mão humana, já que a máquina fotografava com precisão altamente realista. Vale lembrar que, mesmo com a máquina fotográfica, a pintura não perdeu seu posto, seja manual ou não.
Inteligência artificial como ferramenta
Semelhante ao pincel, a inteligência artificial (IA) é uma ferramenta, um recurso que te ajuda a chegar em determinado resultado. Sendo assim, Cortiz (2022) aponta que os sistemas de IA não são tão simples como muitos acreditam. Não se resume apenas a pedir um resultado e recebê-lo.
Um primeiro aspecto a destacar é que a subjetividade não é apagada quando as pessoas usam IA, pois cada um chega a resultados diferentes dependendo de como fazem seus comandos. Se considerarmos ainda que as pessoas podem realizar suas próprias edições e alterações, o produto final fica cada vez mais singular de quem o fez.
A IA, como Cortiz (2022) destaca, não sabe o que gerar, ela depende da intervenção humana para integrar, pesquisar e gerar a informação. Como o autor afirma, os modelos são treinados com uma ampla base de dados, tendo pares de imagens e suas descrições. Assim, a partir de nossos comandos, a máquina integra os padrões descritivos que correspondem às imagens em sua base de dados.
Com isso, podemos entender que a IA não é criativa, ela combina e aprimora padrões. Ela é uma ferramenta que pode ajudar a criatividade de quem a usa. Ou seja, quanto mais interagimos mais padrões são desenvolvidos. Por exemplo, Jason Michael Allen precisou de pelo menos 900 interações para aprimorar o prompt e chegar ao resultado que vimos, além de suas intervenções com outras ferramentas.
IA como processo de construção
Cortiz (2022) compara a IA com um pincel mágico: cada autor irá chegar em um resultado diferente dependendo de sua intenção e do modo como conseguiu executá-la. Desse modo, a arte não vai acabar, apenas criar novas categorias, como já aconteceu com a fotografia.
Hoje, o que vemos é a ascensão da arte digital e de uma subespecialidade, a arte digital desenvolvida com apoio da inteligência artificial. Com o tempo, ela será aprimorada e incluída em sua própria categoria, sem rebaixar as outras. Cada tipo de arte tem um estilo e um propósito, devendo ser respeitada em sua singularidade.
Referência da imagem da capa
Fonte: imagem gerada pelo Dall-e, com prompts do redator.
Referências
CORTIZ, Diogo. Qual o impacto da inteligência artificial na criatividade humana?. Blog, 4 set. 2022. Disponível em: https://diogocortiz.com.br/qual-o-impacto-da-inteligencia-artificial-na-criatividade-humana/. Acesso em: 14 nov. 2023.
GAULT, Matthew. An AI-Generated Artwork Won First Place at a State Fair Fine Arts Competition, and Artists Are Pissed. The Vice, 31 ago. 2022. Disponível em: https://www.vice.com/en/article/bvmvqm/an-ai-generated-artwork-won-first-place-at-a-state-fair-fine-arts-competition-and-artists-are-pissed. Acesso em: 16 nov. 2023.
METZ, Rachel. AI won an art contest, and artists are furious. CNN Business, 3 set. 2022. Disponível em: https://edition.cnn.com/2022/09/03/tech/ai-art-fair-winner-controversy/index.html. Acesso em: 14 nov. 2023.