Como o termo “bug” foi implementado no nosso vocabulário de tecnologia? A história de Grace Hopper

Como o termo “bug” foi implementado no nosso vocabulário de tecnologia? A história de Grace Hopper

Os bugs eram insetos reais, atraídos pelas luzes dos computadores antigos. Um dia, uma mariposa ficou presa entre os fios e prejudicou o funcionamento da máquina, sendo Grace Murray Hopper quem “debugou” o inseto.

 

Redator: Heitor Augusto Colli Trebien

 

A compreensão do termo bug na tecnologia será analisada em dois momentos, dos quais abordaremos a biografia e as inovações tecnológicas propiciadas pelos autores. Este é o primeiro post informativo sobre o tema, no qual destacamos a vida e os feitos de Grace Murray Hopper. O segundo post irá dedicar-se à vida e aos feitos de Thomas Edison. 

 

Grace Murray Hopper

 

Para entendermos algum jargão técnico, antes precisamos conhecer as pessoas e o contexto que atuam por trás deles. Uma delas é Grace Murray Hopper, a almirante e cientista de programação da marinha estado-unidense. 

Grace nasceu em 1906, em Nova Iorque (EUA) e faleceu em 1992, no condado de Arlington (Virgínia). Terminou a graduação em matemática (curso primário) e física e economia (curso secundário) na Universidade de Vassar em 1928. Na Universidade de Yale, obteve o título de mestre em matemática (On Cartesian Ovals – Sobre ovais cartesianos) em 1930 e em 1934 conquistou o doutorado (PhD – philosophical doctor) na mesma área sob o título New Types of Irreducibility Criteria (Novos Tipos de Critérios de Irredutibilidade). 

 

Segunda Guerra Mundial

 

Depois do bombardeio em Pearl Harbor e da entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, Grace decidiu juntar-se ao exército. Ela foi inicialmente rejeitada por causa de sua idade e tamanho diminuto, mas ela persistiu e acabou recebendo uma dispensa para se juntar à Reserva Naval dos EUA, na Reserva das Mulheres. 

Em dezembro de 1943, ela tirou uma licença de Vassar, onde era professora associada, e completou sessenta dias de treinamento intensivo na Midshipmen’s School for Women no Smith College em Northampton, Massachusetts. Se tornou tenente do projeto da Harvard (1944) Bureau of Ordnance’s Computation Project (em tradução livre e literal: Projeto de Computação do Gabinete de Portaria/Despacho).

Lá, ela trabalhou no Mark I, um computador que é considerado a primeira calculadora automática de larga escala e o precursor dos computadores eletrônicos modernos. Era uma Calculadora Automática de Sequências Controladas, produzida pela IBM. Foi guiada por Howard Aiken, desenvolvedor do Mark I. Segundo o Britannica (2022), ela escreveu o primeiro manual extenso de computador em 1946 – A Manual of Operation for the Automatic Sequence Controlled Calculator (Um Manual de Operação para a Calculadora Automática Controlada por Sequência), que descreveu como operar o Mark I. O documento, como o post da Universidade de Yale (2022) indica, tinha 561 páginas. 

 

Uma mariposa presa nas máquinas

 

Imagem disponível no site: Naval History and Heritage Command

Grace Hopper também trabalhou na Mark II e Mark III, versões melhoradas da primeira calculadora (Mark I). De acordo com a Yale News e com o Naval History and Heritage Command (Comando de Herança e História Naval), em 9 de setembro de 1945 ela e a equipe observaram que a máquina estava com problemas para funcionar e, ao desmontarem o aparelho, viram uma grande mariposa presa entre os cabos, o que estava prejudicando o funcionamento da máquina. Assim, a equipe “debugged” – desbugou – o aparelho e ele voltou a funcionar. Bug significa inseto e debugged (de + bugged) refere-se à retirar o inseto do lugar. Esse evento ajudou a estabilizar a nomenclatura de “bug” para problemas gerais de funcionamento de aparelhos eletrônicos e “desbugar” para a resolução desses problemas. A situação foi registrada em caderno de notas e pode ser visualizada na imagem ao lado.

Segundo o National Museum of American History, esse evento ocorreu em 1947. Como até o momento não encontramos um consenso entre as datas, podemos considerar que o processo de tornar a palavra bug e debugged comum no vocabulário informático teve um marco importante em meados dos anos 1940, de modo geral. 

Após o fim da guerra, Hopper recusou um cargo de professora titular em Vassar para continuar seu trabalho com computadores. Em 1946, ela deixou o serviço ativo quando a Marinha recusou seu pedido de comissão regular devido à sua idade, mas permaneceu como reservista naval. Grace permaneceu em Harvard como pesquisadora civil enquanto mantinha sua carreira naval como reservista. 

De 1946 a 1949, ela manteve seus trabalhos com o Mark II e o Mark III. Ao final do mandato de 3 anos, precisou deixar Harvard por não haver propostas de emprego permanentes para mulheres.  

 

O desenvolvimento do compilador

 

Em 1949, Hopper juntou-se à Eckert-Mauchly Computer Corporation na Filadélfia como matemática sênior, onde desenhou um dos primeiros compiladores que traduziu as instruções de um programador em códigos de computador, e assim cunhou o termo “compilador” (compiler). A empresa foi comprada por Remington Rand (1951) e depois por Sperry Rand (1955) e reconhecida por construir o primeiro computador eletrônico (ENIAC – Electronic Numerical Integrator and Computer) sob contratos do exército. 

Em 1952, ela desenvolveu o primeiro compilador chamado A-0, que traduzia código matemático em código legível por máquina – um passo importante para a criação de linguagens de programação modernas. No ano seguinte, propôs a ideia de escrever programas em palavras ao invés de símbolos, mas disseram que não funcionaria. 

Como programadora chefe, ela trabalhou no design do UNIVAC I (Universal Automatic Computer) no início dos anos 1950, um dos primeiros computadores eletrônicos comerciais e base para o COBOL (common-business-oriented language), linguagem de programação que usa a linguagem comum para programar. 

Antes do COBOL, entre 1956 e 1957, sua divisão desenvolveu o Flow-Matic, um dos primeiros compiladores de processamento de dados em língua inglesa. Assim, o UNIVAC I e o Flow-Matic tinham características que inspiraram a criação do COBOL, o que permitiu que a linguagem de programação conseguisse ler números matemáticos e a linguagem natural, algo que Ada Lovelace defendeu que iria acontecer. Hopper também ensinou como os programas podem ser escritos em outros idiomas além do inglês, o que ajudou a expandir a comunidade de usuários de computador, por agregar a possibilidade de uso de diferentes línguas naturais.

 

A popularização do computador

 

Em entrevista para Angeline Pantage (1980), Hopper afirma que seu principal propósito era trazer grupos de pessoas hábeis para usar o computador de modo fácil. A máquina precisava adaptar-se às pessoas e adaptar a linguagem acadêmica para que o público pudesse usar essa inovação. 

Em 1959, a pesquisadora participou na Conferência sobre Línguas de Sistemas de Dados (Conference on Data Systems Languages – CODASYL), cujo objetivo era desenvolver uma linguagem de negócios comum que pudesse ser usada em todas as indústrias e setores. O produto final dessa conferência foi o já citado COBOL, linguagem mais usada em 1970, segundo a Yale University

Nos anos 60, a linguagem natural integrada aos códigos de programação se tornou uma prática generalizada, sendo seus trabalhos fundamentais para a computação da forma como a conhecemos hoje. Ela se aposentou em 1966 com a patente de comandante, mas foi chamada para trabalhar no ano seguinte para padronizar a linguagem informática dos computadores da marinha. Em 1983, foi promovida a comodoro e em 1985 tornou-se contra-almirante. Com 79 anos, foi a oficial mais velha em serviço naval ativo da marinha dos EUA. Em 1986, se aposentou novamente.

 

Gif de Anqila, publicado no site Deviantart

 

Prêmios e títulos

 

Em relação aos seus prêmios, Grace foi eleita como membro do Instituto de Engenharia Elétrica e Eletrônica (Institute of Electrical and Electronic Engineers) e foi nomeada como a primeira “Homem do Ano” em 1969 pela Associação de Gestão de Processamento de Dados (Data Processing Management Association). Atualmente, podemos atualizar esse título para “Mulher do Ano”. 

Em 1991, recebeu a Medalha Nacional de Tecnologia (National Medal of Technology) e disse: “Se me perguntarem de que realização estou mais orgulhosa, a resposta seria todos os jovens que treinei ao longo dos anos; isso é mais importante do que escrever o primeiro compilador.” Foi condecorada postumamente com a Medalha Presidencial da Liberdade (Presidential Medal of Freedom) em 2016. Foi enterrada no Cemitério Nacional de Arlington em 1992, ano de sua morte. 

Mesmo enquanto trabalhava com computadores na marinha, Grace manteve-se ensinando os mais jovens. Treinou e preparou diversos subordinados para usar e desenvolver os computadores, e por ser uma excelente professora e comunicadora, foi apelidada de Amazing Grace – Admirável/Incrível Grace.

 

Para aprofundar o conhecimento

 

Para quem quiser uma biografia mais detalhada da autora, leia The Mathematics of Grace Murrey Hopper (2019), de Asher Auel. Você também pode pesquisar a entrevista de Aline Pantages: Oral History of Captain Grace Hopper

Para aprofundar um pouco mais as ideias de Grace Hopper, o texto The education of a computer, da autora, está disponível no site da ACM Digital Library (ACM significa: “Association for Computing Machinery” – em tradução livre: “Associação de Maquinaria Computacional/Informática”).

 

 

Outros vídeos

 

Os vídeos a seguir estão em inglês e mostram algumas palestras de Grace, assim como sua biografia. 

O canal do Youtube Biography deixou disponível o vídeo Grace Hopper, Computer Scientist and Military Leader com um resumo com cerca de 2 min. da vida de Grace. 

O canal 60 minutes fez um vídeo de aproximadamente 4 min intitulado: March 6, 1983: Grace Hopper—She taught computers to talk, no qual traz algumas curiosidades sobre a vida e os feitos da cientista.

O canal da MIT Lincoln Laboratory trouxe uma palestra da própria Grace: Grace Hopper Lecture, de aproximadamente 1h 25 min.

 

Referências para a biografia de Grace Hopper:

 

EDITORES, Britannica. Grace Hopper. Britannica, atualizado em 13 set. 2022. Disponível em: https://www.britannica.com/biography/Grace-Hopper. Acesso em: 26 set. 2022. 

INSTITUTO de Engenharia. Mulheres que mudaram a engenharia e a ciência: Grace Hopper. Instituto de Engenharia, 10 dez. 2018. Disponível em: https://www.institutodeengenharia.org.br/site/2018/12/10/mulheres-que-mudaram-a-engenharia-e-a-ciencia-grace-hopper/. Acesso em: 27 set. 2022.

PANTAGES, Angeline. Oral History of Captain Grace Hopper. Computer History Museum, dez. 1980. Disponível em: https://www.computerhistory.org/collections/catalog/102702026. Acesso em: 27 set. 2022.

PROJETO Enigma. Grace Hopper. Projeto Enigma, 24 jun. 2021. Disponível em: https://www.ufrgs.br/enigma/grace-hopper/. Acesso em: 26 set. 2022.

YALE. Biography of Grace Murray Hopper. Yale University. Disponível em: https://president.yale.edu/biography-grace-murray-hopper. Acesso em: 27 set. 2022.

YALE. Grace Murray Hopper (1906-1992): A legacy of innovation and service. Yale News, 10 Feb. 2017. Disponível em: https://news.yale.edu/2017/02/10/grace-murray-hopper-1906-1992-legacy-innovation-and-service. Acesso em: 26 set. 2022.

 

Referências acadêmicas:

AUEL, Asher. The Mathematics of Grace Murray Hopper. Notices of the American Mathematical Society, V. 66, N. 3, March 2019.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]